Este poema é o resultado de um exercício mental, feito em memória
à longa noite iniciada em 31 de março de 1964, a qual duraria
mais de vinte anos. Essa noite é uma mancha que envergonha a História
brasileira.
CÂNDIDA
A mudança comportamental de Cândida
aconteceu logo depois do revelion daquele ano
em que o rádio tocava aquela canção dos incríveis:
"Eu te amo, meu Brasil, lá-ra-lá...
Naquele momento, Cândida se transformou
numa defensora exaltada das teorias esquerdistas,
justamente ela que fora a criatura
mais doce e "cândida" que eu conhecera.
Tudo começou quando ela raspou a cabeça,
quebrou os discos de Beethovem,
jogou fora os dólares da carteira,
rasgou os talões de cheques,
queimou os livros de Sartre...
Depois ficou trancada
dentro duma barraca, na Praça da Redenção,
lendo as cartilhas Marxista, Castrista, Brizolista...
Após meses de Clausura,
Cândida saiu andando com os olhos fixos
num ponto imaginário,
atravessou o centro da cidade
e pronunciou um discurso febril
na esquina da Rua da Ladeira:
"Minha gente, a vaca foi pro brejo.
É noite escura e não sabemos quando o sol virá!
Hoje se tornou inviável
o salutar combate disputado
no tabuleiro das ideias.
Mas a revolução sonhada pela esquerda festiva
e escrita pelos intelectuais engajados
foi para as cucuias,
porque no momento não possuímos armas
e sem fuzis não haverá guerra
e se fôssemos loucos de fazer uma gerrilha,
seria uma luta desigual.
Dito isto concluímos que as utopias
são lindas no papel.
Para fechar a primeira parte da nossa conversa
quero dizer-vos, que para sair do atoleiro
serão necessárias atitudes sensatas, então,
Eu, Cândida da Silva, proponho
algumas sugestões práticas.
Meus adeptos, candinhos e candinhas,
podemos pedir asilo na Dysneilandia,
avançarmos a Amazônia a dentro
e sobrevivermos das frutas silvestres
ou ainda, aderirmos a um processo
de hibernação voluntária, até o dia de cair
esta malfadada ditadura.
Àquela altura da palestra
eu senti que Cândida estava perdendo o juiízo,
e egoísta como só o ser humano sabe ser,
acabei me retirando dali para não endoidar também...
O tempo passou,
o sistema ruiu,
os exilados voltaram,
as eleições aconteceram,
a corrupção prosperou
e o crime se organizou...
Eu fiquei sem saber mais nada
sobre a vida de Cândida,
mas numa noites dessas, quando
navegava pela internet,
soube que ela vive atualmente na Africa
e se encontra à testa de uma ONG, que cuida
dos famintos daquele continente.
Soube também, que Cândida não pretende
retornar à pátria, pois sente vergonha
da acomodação que ocorreu aqui.
Hoje, ela descrê de todos os ismos:
O socialismo de Cuba,
O capitalismo selvagem.
O imperialismo do Norte,
O cinismo do Brasil.
O coração de Cândida clama
por um sistema humanitário
onde a dignidade esteja em sintonia
com a lei e a justiça
e todos os homens voltados
para o bem comum...
Viver é um dom!
Há 2 meses