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terça-feira, 4 de maio de 2010

     Esse calor que faz nos últimos dias, me deixa sonolenta, preguiçosa, de miolo mole; não consigo pensar direito nem me concentrar em  nada.
     Daqui a pouco, meu marido vai chegar, é quando eu melhoro e fico um pouquinho animada. A gente conversa durante o jantar, depois discute o desempenho deste ou daquele ator na novela; fico com a quase impressão de que as coisas vão funcionar com naturalidade, mas quando se aproxima das onze horas, eu começo a ficar preocupada. No momento em que o Roberto vai para o banho, eu estou tensa. Quando ele volta e fala que agora é a minha vez de banhar o corpo; já sei que ele vai querer coisa, então, fico desesperada, mas como não tem outro jeito, pego calcinha, camisola, talquinho,  etc,  e enfrento a água. Demoro o máximo que posso em baixo do chuveiro e me concentro no corpo dos homens que vejo pela rua. Procuro ser mais seletiva possível, até me definir por alguém que eu haja visto durante o dia. Depois de um tempão, saio do banho com o corpo molhado para deitar com o Roberto, imaginando que ele é Anselmo Duarte e eu Leila Diniz.
     Roberto, irritado com a minha demora, fala: pensei que havias dormido no banheiro, e, além do mais, vens nua, quando sabes que eu gosto de assistir a tua entrada no nosso leito, vestindo aquelas roupinhas que caem tão bem sobre a tua pele dourada!
     Aquelas palavras, ditas à meia-luz, produzem um frouxura na minha carne, uma labaredazinha acende o meu ventre, e eu me jogo sobre o "Anselmo" e tomo o iniciativa; mas a pele, o cheiro e as coisas de Roberto já não provocam a minha libido; estou tão acostumada com ele, que o meu fogo diminuiu muito, entretanto, por uma questão de sobrevivência, tenho que fingir.
     Roberto que nãoé bobo nem nada, diz: acho que terei de trocar de mulher; mas, agora, vou querer uma mais nova, que goste mais da coisa, pois tu ages como funcionário público e me dás um sexo burocrático.

    Enquanto o Roberto dorme, eu fico pensando: quando esse cara tiver a certeza de que o meu tesão por ele acabou, me mandará embora. Ai eu estarei ferrada! O meu corpo deixará de vestir os tecidos da Casa Loro e as langeries da Lyra; adeus às joias da Masson e aos mimos da Scarpini. Será o fim das sessões vespertinas no Cine Cacique, do chá da tarde no Shopping João Pessoa e dos jantares chics aos finais de semanas nos restaurantes da moda. E as férias em Bariloche e Punta del Est, nunca mais.

  
     Sem o suporte do Roberto, terei de voltar ao trabalho, e não será fácil começar tudo outra vez; terei de dar aulas, pelo menos, em dois turnos, para obter uns míseros trocados. Não gosto nem de pensar nas mudanças que ocorrerão na minha vida quando eu sair desta casa, e, o pior, que o fim está próximo.
      Só de pensar no meu provável retorno às origens, sinto náuseas. Quando se nasce na pobreza, tudo bem, morre-se na pobreza sem maiores angústias; entretanto, ir ao paraiso e depois retornar ao purgatório, é outro papo. É duro imaginar-me comprando minhas roupas na Voluntários, almoçando nos bares do Mercado Público, comendo cachorro quente na Praça XV, passeando na Redenção...Dura e quase velha, andarei incógnita pelas ruas da cidade, sem chamar a atenção de ninguém, exceto, de algum pobretão igual a mim...

     Eu fui mesmo uma estúpida por ter feito este casamento (negócio) de  quinze anos, com aquela cláusula terrível: se ao final do presente contrato não houvesse interesse em continuar por parte dele, eu levaria comigo somente a roupa do corpo. Se naquele tempo,  quando eu era jovem e deixava os homens com água na boca, houvesse abandonado o Roberto e ficado com qualquer um daqueles rapazes bonitos , da minha fai ixa etária, não endinheirados como o Roberto, mas futurosos, certamente, hoje eu estaria bem. Mas não! Fui nas pilhas da minha mãe. Ela dizia: Iaria, tu tens que ficar com o Doutor. Ele é o máximo. Para ela, era Deus no céu e o Doutor Roberto na Terra.   

     Acordei sobressaltada. Hoje é o último dia do meu contrato. Vou preparar as malas antes que o advogado do Roberto ligue, quem sabe a própria secretária dele, Clara, poderá ligar para eu desocupar a mansão. Agora, Clara é minha amiga e confidente, mas nem sempre foi assim; há dez anos ela dava expediente extra para o Doutor nas camas do Hotel Everest. Ele pagava bem e para não perder o emprego, ela ia. Depois ela casou, ficou gorda, então o Roberto perdeu o interesse.  

     De repente, o telefone toca mas eu não atenderei. O aparelho não pára de tocar, mas deixarei que toque. Por mim pode continuar tocando por mais uma hora, toda manhã, todo o dia, a semana inteira, o mês inteiro, a vida inteira...






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